Exercitando o desapego

8 de novembro de 2014 | Escrito por Filipe Teixeira | Dicas

Tyler Durden disse que as coisas que você possui acabam possuindo você. Eu não sou tão radical assim. Acho que você pode ter coisas e gostar delas, mas sem ter necessariamente essa relação simbiótica. Ao longo do tempo você vai juntando coisas e se acostumando com elas, como se fossem bichos de estimação. E repito: não há nada demais nisso, desde que não seja algo doentio, claro. Quem nunca se apegou a um disco, a uma mochila, a um chaveiro, a um carro…?

Eu estava nesse meio termo, mas dava muito mais valor às coisas do que hoje. O ponto de virada foi quando comecei a viajar e as experiências começaram a pesar mais que as coisas. Porém não foi assim tão fácil me desapegar de um estilo de vida de tantos anos e passar a ter outro, afinal certos hábitos, certos confortos são complicados de se abandonar. E foi o processo de mudar de país duas vezes que me obrigou a pôr em prática a abnegação das coisas em nome de vivências mais abstratas.

Colômbia

Eu fazia coleção de tudo, copos com marcas de cerveja, pares de All Star, pôsteres de filmes e, principalmente, DVDs – que chegaram a somar 200 unidades. Mas eu não possuía só coisas colecionáveis. Em 2011, na iminência de ir embora do Brasil, eu tinha carro, smartphone, ar-condicionado, assinatura da SKY, só bebia Stella Artois e – o principal – tinha uma cortina blackout.

desapego

O Natal de 2011 foi muito bom – Fortaleza, Brasil.

Não vou posar de Alexander Supertramp e dizer que eu não precisava dessas coisas e que não as queria. Ao contrário, eu gostava disso tudo. Mas aí surgiu a oportunidade de ir morar na Colômbia. Não pensei duas vezes e aceitei. Sempre quis viver esse tipo de experiência e por isso eu era só empolgação. Tirei o passaporte, pedi demissão e talvez o tempo livre tenha feito com que a ficha começasse a cair.

Passei a encarar o fato de que eu não ia mais ter o conforto que todas aquelas coisas me proporcionavam. Ao mesmo tempo veio a dúvida se isso seria compensado pela nova vida. Mas a decisão já estava tomada. Vendi o carro, cancelei a SKY e fui embora pra Colômbia, onde eu ganhava quase 4 vezes menos que no meu antigo trabalho no Brasil, além de andar a pé, não ver TV e beber Aguila (que está no mesmo patamar da nossa Skol).

E os cinco meses que passei lá foram suficientes pra desfazerem a dúvida se valia a pena trocar minhas coisas todas por um novo estilo de vida.

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Remo no Parque Arví – Medellín, Colômbia.

Entre ir embora de Medellín e vir pra Lisboa, passei dois meses no Brasil. E ao contrário do que aconteceu cinco meses antes, eu estava completamente sem dinheiro e teria muito mais gastos – ainda por cima em euro. Nesse momento é que eu realmente tive que pôr em prática o verdadeiro desapego.

Portugal

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Licor de ginja com o Vander – Lisboa, Portugal.

Pra juntar a quantia necessária, precisei vender muitas coisas. Comecei pela TV e o aparelho de DVD. Depois o smartphone e o ar-condicionado. Até aí tudo bem. Problema mesmo foi me desfazer dos meus DVDs. Faltava ainda bastante grana pra pagar o visto, o seguro e comprar a passagem, sem contar o dinheiro pra passar o primeiro mês, antes de receber o primeiro salário.

Com a ajuda da Fernanda Meireles, vendi vários títulos. E quando me dei conta de que alguns ainda estavam no plástico, aconteceu a epifania: o foco era ter, não necessariamente usufruir dos objetos. Depois de me aperceber disso, foi mais fácil lidar com o fato de não possuir mais aqueles filmes (embora eu jamais vá me desfazer de De Volta para o Futuro).

Ao chegar a Lisboa, o aprendizado continuou, principalmente porque aqui passei a viajar muito mais. Hoje penso duas vezes antes de comer fora, em vez de comer em casa, ou antes de pegar um táxi, em vez de ir a pé ou usar transporte público, pois essa grana economizada vai direto para o orçamento da próxima viagem. Em resumo, vale a pena abdicar de certas coisas, certos luxos, em nome das sensações incríveis que uma viagem pode proporcionar.

A imagem de capa é uma cena do filme Na Natureza Selvagem, estrelado por Emile Hirsch e dirigido por Sean Penn.

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Escrito por Filipe Teixeira

Escritor amador e ansioso profissional.