A volta – parte 1

8 de junho de 2012 | Escrito por Filipe Teixeira | Diário de viagem, Oreo - Eu na Colômbia

Eu acho que nas vidas passadas eu devo ter sido um terrorista ou um fora-da-lei de qualquer ordem, porque sempre que vejo um policial fico tenso, porque aquele processo de aeroporto serve pra isso, pra deixar você tenso. Aquele detector de metal sempre apita, tem sempre algo que eu esqueço no bolso e aí o policial me olha com aquela cara de “A-há!”. Dessa vez o algo era o chip do celular. Depois de passar a mochila, a jaqueta e o cinto pela esteira e o policial revistar tudo, ele disse em espanhol que eu poderia tirar tudo. Mas eu não entendi, não porque eu realmente não tenha entendido, mas porque era um policial falando, e eu não entendo policiais nem em português. Então ele falou mais compassadamente e me perguntou o que eu fazia na Colômbia, então respondi que dava aula de português. Não contente em me deixar tenso só por existir ele emenda: “Poderia ter aprendido espanhol também, ou não?”.

Perdi o Medo, Belchior

Embarquei no avião ainda em Medellín à uma da tarde já todo contraído por causa da decolagem que ocorreria em poucos minutos. Comecei a ler o Cem Anos de Solidão em espanhol. Mas não conseguia me concentrar, porque havia um grupo em excursão. E eles tinham mais de 50 anos, ou seja, eles conversavam a todo momento. Só se calaram na hora da decolagem, porque não há quem não fique receoso com aquele negócio daquele tamanho querendo voar. Mas, para minha surpresa, o terror que eu sentia com decolagens simplesmente sumiu. O medo que eu descrevi aqui nos primeiros posts acabou. Claro que quando o avião inclina, sem qualquer tipo de aviso prévio (afinal todo aviso é prévio, porque se acontece depois não é aviso, é constatação, ou sarcasmo mesmo), pra fazer uma curva, eu morro de medo, mas nada que se compare ao terror que eu sentia ao decolar, mas que naquele momento não senti.

Felicidade Revoltante no Aeroporto do Panamá

O voo tinha uma conexão no Panamá. Na chegada, ainda no ar, vi uma paisagem linda: o oceano Pacífico, depois a areia preta e, em seguida, a mata fechada, verde e aparentemente virgem. Quando o avião tocou as rodas no asfalto, as mulheres da excursão começaram a bater palmas e a dar graças ao Senhor! Revoltante! Mas eu estava tão empolgado com o fato de não ter mais medo de avião que relevei aquela blasfêmia. Mas haveria ainda uma decolagem, então era melhor esperar pra saber se o medo tinha acabado ou se foi só um tilt. A diferença entre um voo e outro era de mais ou menos uma hora, tempo em que usei pra jogar Kingdom Rush no aeroporto. Enquanto isso, ouvia as pessoas falando em português do Brasil esperando o mesmo voo que eu. A sensação foi boa, como se as palavras abraçassem meus ouvidos.

Só pra Confirmar, Belchior

Mais uma decolagem e a constatação de que definitivamente eu havia perdido meu medo de avião. Acho que eu tive tanto medo no metrocable em Medellín que decolagem de avião virou besteira. Ainda bem, porque pretendo usar mais aviões que o metrocable ou qualquer similar. Continuei lendo o Cem Anos de Solidão em espanhol entre uma e outra refeição no avião. A Copa Airlines não tem noção de quanto tempo um ser humano demora pra digerir. Só não serviram Oreo (mas eu tinha um pacote de reserva na mochila). Pousei em Brasília às 23h50 para, depois de quatro meses, respirar novamente o ar tupiniquim. Entrei no primeiro táxi que vi e pedi ao taxista que me deixasse no hotel mais próximo da rodoviária.

Ó, Tem uns Prefeitaí…

O taxista era um velhinho, cabeça branquinha e com o sotaque daquele personagem d’A Praça É Nossa. Ele foi do aeroporto até o hotel (que não era perto da rodoviária, descobri isso no dia seguinte) dizendo que “Num sei se vai ter vaga pro siô não, porque tem uns prefeitaí, e tão tudo chegano, ino pro zoté, aí num sei se vai ter vaga pro siô purisso, mas vamo lá né, vamo lá na Asa Norte, que tem mais hoté, mas, ó, tem uns prefeitaí, aí num sei se ainda tem vaga no zoté não. Tão chegando uns prefeitaí desde sexta-fêra, tá tudo lotado, mas vamo lá né…”. Ele repetiu esse monólogo circular até chegar ao primeiro hotel. E não é que tinha vaga! Só uma, mas tinha, e não tinha prefeito nenhum atrapalhando a minha vida. E era um hotel decente. Diferente do que eu fiquei em janeiro, nesse hotel, o ar-condicionado era silencioso e o café da manhã era muito bom. Pode-se medir a qualidade de um café da manhã de hotel pelo achocolatado. Se for Nescau, é bom. E fazia quatro meses que eu não tomava Nescau. Milo, me perdoe, você tem qualidades, eu até trouxe uma lata pro Brasil, mas Nescau é amor.

Saudade dos Seus Táxis, Medellín

Depois do café (já eram quase 10h), dei um tempo no quarto, arrumei as coisas, fechei a conta do hotel e tomei o táxi até a rodoviária. Somando o valor da corrida da noite anterior com a do dia em questão, foram R$60, valor que em Medellín eu gastaria em uma semana se eu fosse pro trabalho e voltasse todos os dias de táxi. Chegando à rodoviária – sim, eu voltei de ônibus -, troquei a confirmação da internet pela passagem em si, almocei e esperei o ônibus, que partiria às 14h30. E ainda eram 13h. Então comecei a escrever o post deste blog sobre a Semana Santa.

Nunca Façam Isso, Crianças

Eu já sabia que seria longa, mas só pra confirmar, perguntei ao motorista quanto tempo duraria a viagem, e ele me confirmou que seriam 40 horas de viagem. Quarenta horas dentro de um ônibus. E mesmo antes de subir eu sabia que psicologicamente duraria muito mais tempo, pois uma mulher da voz aguda na plataforma de embarque já dava uma prévia do terror que seria essa viagem.

Leia a parte 2 aqui.

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Escrito por Filipe Teixeira

Escritor amador e ansioso profissional.