A volta – parte 2

10 de junho de 2012 | Escrito por Filipe Teixeira | Diário de viagem, Oreo - Eu na Colômbia

A mulher da voz aguda entrou no ônibus falando e enquanto eu estava acordado não lembro de ela ter ficado calada pelo menos durante 5 minutos inteiros. Continuei a escrever o post sobre a Semana Santa durante as duas primeiras horas de viagem e finalizei o texto pouco antes de a bateria do notebook acabar. Agora eu só tinha como distração umas 40 mp3 no celular, o Cem Anos de Solidão em espanhol e as paisagens sertanejas.

Ela Não Sabia Ligar

Eu não gosto de fone de ouvido, em pouco tempo meu ouvido dói. Por isso ouvir as mp3 seria minha última opção. Ler o Cem Anos de Solidão em espanhol eu até leria, se a mulher da voz aguda tivesse deixado. O que me restou foi admirar as paisagens sertanejas, e algumas delas muito lindas, como o arco-íris logo que deixamos Brasília e o pôr-do-sol do dia seguinte em Petrolina-PE. Na primeira parada, ainda no estado de Goiás, a mulher da voz aguda começou a ladainha dela dizendo que, quando ligava, ouvia uma mensagem da Tim afirmando que o número para o qual ela estava ligando não existia, “como não existia, se eu sempre ligo? Eu tô colocando 041, 061 e o número, mas não dá certo.” E a cada parada era a mesma coisa.

Vinte e Seis Horas Depois…

“Eu tô colocando 041, 061 e o número, mas não dá certo.” Até que em Petrolina-PE, depois de termos cruzado parte de Goiás e a Bahia inteira, depois de eu ter tomado um Mareol (o Dramin colombiano), que me fez dormir durante 11 horas, depois de um cantor evangélico ter entrado no ônibus vendendo seus CDs recém-saídos da prensa, depois de eu ter comido farofa pela primeira vez depois de quatro meses em Capim Grosso-BA, depois de ter visto a Dilma chorar ao instalar a comissão da verdade, depois de ter comprado uma pasta de dente de 50g por R$4,50, depois de ter lido 150 páginas do Cem Anos de Solidão em espanhol apesar da ladainha da mulher da voz aguda, depois de ter visto o rio São Francisco imponente na fronteira entre a Bahia e Pernambuco, depois de vinte e seis horas, finalmente um grupo de trabalhadores entrou no ônibus e um deles disse à mulher que em vez de 041, 061 e o número, ela deveria discar, 041, 61, sem zero, e então o número.

As Uvas

“Olhaí! Era só tirar o zero! Eu tava colocando 041, 061 e o número, mas era só colocar 041, 61 e o número.” E agora, no lugar de reclamar que a Tim estava com problemas, ela se convenceu de que o problema era, na verdade, ela mesma ligando errado. E enfatizou isso nas catorze horas seguintes. Ela chegou ao ponto de dizer que não conseguia dormir em ônibus, que ficava calada, quieta, tentando dormir, mas não conseguia. Eu só não vi essa parte em que ela ficou quieta e calada. Ela falou isso até pro senhor que subiu no ônibus vendendo uvas. O ônibus ficou uns 10 minutos parado enquanto o homem fazia seu negócio. Ele começou com uma caixa a R$4 e três caixas por R$10, e muitos compraram. Em determinado momento ele disse que só havia mais duas caixas e que ia fazer cada uma por R$3, e então vendeu rapidamente. Então, misteriosamente aparecem mais quatro caixas, que ele vende a um único passageiro por R$8, ou seja, R$2 cada. Então a moça que estava sentada na cadeira atrás da minha, que acabara de comprar duas caixas pelos mesmos R$8 quis devolver e reaver o dinheiro. E os outros também, até que virou bagunça. O motorista deu aquela acelerada como quem diz “bora que tá na hora” e o vendedor de uvas saiu dizendo “comprou logo de besta, logo num tá vendo que vai acabando e vai ficando mais barato!”

A Segunda Noite

Meu medo era só não conseguir dormir. Entramos no Ceará por volta de 23h do segundo dia de viagem e meu corpo não dava o mínimo sinal de sono. Foi então que a mulher da voz aguda foi vencida pelo cansaço e se calou. Umas pessoas nas cadeiras do fundo do ônibus que há cinco horas discutiam sobre o divórcio de uma moça pararam de conversar e então finalmente eu pude ler meu livro tranquilamente. Li por mais ou menos uma hora e adormeci.

Moldura Indigna das Pessoas que Mais Quero

Às cinco da manhã, acordo em Messejana, já dentro de Fortaleza. Liguei pra minha mãe pedindo que me buscasse na rodoviária. Quando desci, o vento quente da minha cidade trouxe uma tristeza que permaneceu em mim durante pelo menos duas semanas. Isso não significa, contudo, que estou bem agora, mas a tristeza se abrandou. Fortaleza me entristece: o calor, a desorganização, os muros, a falta de verde… nem o mar me faz gostar daqui. Ainda no carro, indo pra casa, percebi que o que há de bom em Fortaleza se resume aos meus amigos e transformei meu sentimento nessas palavras e é com elas que encerro estas postagens:

Fortaleza,

Moldura indigna

das pessoas que mais quero,

estou novamente

sob seu sol.

Leia a parte 1 aqui.

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Escrito por Filipe Teixeira

Escritor amador e ansioso profissional.