O aquário – sobre mudar-se (só) para uma cidade pequena

13 de maio de 2015 | Escrito por Juliana Santiago | Diário de viagem

Consegui. Finalmente, estou no meu tão ansiado “longe”. E nele, tenho emprego e dinheiro. Morada, transporte e Internet. Os que lá deixei – lá no “perto” em que vivia – dizem-me vitorioso, garantido pra toda a vida.

Porém, à parte as despedidas, à parte os parabéns e à parte o dinheiro que me cai a cada dia quinze do mês, volto eu de ônibus, de carro, de avião para aqueles confins. Concursado. Estudante. Contratado temporário… enfim.

Vou-me só, o que não é de todo ruim. É, muitas vezes, da natureza da pessoa. É, noutras, uma necessidade. E é, também e ainda, opção legítima.

Fico lá por toda a semana. Lá agora é meu lar por algum tempo, ou talvez para sempre. É meu novo lugar. Contudo, uma coisa me intriga: lá é diferente de tudo que pensava que o “longe” seria. Talvez porque tenha ido para morar, é verdade. Mas tem outro perfil, esse novo lugar. Um perfil que me fez alterar minha conduta, minhas estratégias básicas de convivência social.

cidade pequena

Depois de poucos meses, vim reparar: são sempre os mesmos lugares para ir, as mesmas pessoas. Os mesmos e poucos. Quer no trabalho, quer na vida pessoal. Nos momentos de lazer. Eu as vejo, elas me veem, e é bom pra nós. Até o instante em que nos percebemos enquadrados. Ilhados. E a convivência repetida ganha ares de inoportuna, mesmo quando nos gostamos. E o reencontro dos olhares passa a ser evitado, dado o fastio.

De tão pequena a cidade, não se podem evitar certas coisas. Não há, por exemplo, a tão simples opção de amizades: escolher quem se quer e privar-se do resto. Minto. Até há, mas é algo incompleto. Não é como seria na minha cidade grande, no meu “perto”. Igual, também, não há como uma inimizade ou desavença não afetar a atmosfera. Não há como permanecer discreto. Minto. Até há: no mesmo “haver” incompleto.

E sobre as opções de amizade – mas amizade mesmo – são poucas. E dessas poucas, pinça-se menos ainda. E nesse pequeno ciclo, vamos aos lugares onde estão todos: pinçados ou não. E todos ali estão pensando e sentindo o mesmo em relação a esse assunto. Em todos os dias e meses. E a fofoca vira lazer. E ser o assunto é parte de uma rotina que já nem revolta. Afinal, o que se esperar de uma cidade pequena?

cidade pequena

Há um câmbio nas relações sociais. Como haveria na adaptação de um peixe que sai de um lago ou do mar para um aquário: pensando que todo lugar tem seu ponto de igualdade, ele vai. Pensando que as vantagens materiais compensam, ele vai. Pensando, sobretudo, que se pode evitar o que não se quer, mesmo estando porta de casa afora, ele – ingênuo – vai.

E quando se percebe: está num aquário – quando não numa lata, em posta – lugar pequeno, fechado. Uma clausura. Onde ele pensa que fala. Pensa que muda algo. Pensa que vive. Mas, depois de uns meses, quando tudo já foi visto e apreciado, com vigor e encanto, sob o temor e o espanto, se angustia e, por fim, se questiona: será que isso vale tanta angústia mesmo?

Morar em cidade pequena requer outra lógica de vida: simples assim. E é engraçado. Por mais ocupado que se esteja com o trabalho, nunca será o suficiente a ponto de se deixar de sentir saudade do “perto” da gente. Nem para se querer um amor. E menos ainda para deixar de sentir o vazio chegar… porque há sempre a noite. Há noite em qualquer lugar. Seja sobre um aquário, seja sobre o mar…

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Escrito por Juliana Santiago

Nunca comprou melhorias no Candy Crush.