Trilha, acompanhe os trilhos

24 de abril de 2015 | Escrito por Rafael Feltrin | Diário de viagem

“Three, two, one… Bungy!” – foi a trilha que embalou minhas últimas palavras na África do Sul, um segundo antes de uma queda livre de 216 metros de altura, ao som da música “Rise Up” de Yves Larock – o hit da época que assolava todos os cantos, até o maior Bungee Jump do mundo. É óbvio que toda a adrenalina vinha a calhar, mas a música foi parte daquele momento de tal forma que é praticamente impossível não ouvi-la e não relembrar a sensação que vinha no pacote junto a ela; pois, sem ela, esse mínimo detalhe já faria uma sutil diferença para mim.

No que diz respeito a trilhas sonoras e viagens, eu sou daqueles que acaba criando uma “playlist mental” por todos os lugares por onde passo ou já passei – e essa mania de gostar do som já me rendeu algumas referências: desde mantras martelantes na Indonésia até Bob Marley no Zimbábue.

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Além da ciência, o viajante que vos escreve também já comprovou que, algumas músicas realmente são capazes de nos teletransportar, transcender nosso estado de espírito, sem mais nem menos (da mesma forma que escrevo agora, ao som de uma das trilhas que embalavam os trilhos do metrô em Singapura) e nos levar novamente às mesmas sensações e aos mesmos lugares que queiramos ir, seja por saudade, por um momento que nos oferece aquela mesma bebida, ou pelo simples prazer da nostalgia. A música que tocou naquele dia sempre detém esse poder de modo absoluto. No que diz respeito ao coração, prefiro deixar pra lá – isso renderia uma bela infinidade de palavras. E entre essas, vários trechos de músicas que já me aproximaram entre fusos horários de quase um dia. (créditos a John Mayer, Jack Johnson, Ben Harper e cia.)

O melhor é perceber o que cada música se torna para cada instante, cada local, cada nova sensação; cada uma delas que faz parte dos minutos mais marcantes que tenho em mente, me dá um bilhete aéreo com tudo incluso pra viver novamente aquela experiência. Mais fortes do que eu são minhas malditas endorfinas de viajante.

Um belo dia, aguardando uma conexão em um café de Barcelona, me deparei com um norte-americano e seu fone de ouvido, sem pudor algum para a espontaneidade, cantando Elvis Presley como se fosse o último dia de sua vida. Minha poltrona era confortável e o som ambiente era um típico Flamenco Espanhol (para não passar batida a expressão cultural).

Resolvi atentar para o próximo café, enquanto o indivíduo cantarolava. Naquele ponto, talvez ele já estivesse se sentindo o próprio Elvis Presley e relevei minha atenção até o ponto em que ele fora surpreendido pela garçonete, a qual lhe indagou num esforçado inglês: “Do you like Elvis? I like Elvis!” – e foi o golpe suficiente para atordoar o gringo, pois quando ele disse que toda aquela playlist e cantoria tinha tamanho significado, meu café – diferentemente da minha curiosidade, acabou esfriando, apenas para entender o contexto do qual a história se tratava.

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Disfarçadamente, mas já prestando atenção, ouvi o rapaz dizer que as músicas que ele cantava eram as mesmas que fizeram parte das suas viagens e dos seus relacionamentos, entre eles seu atual casamento e o nascimento da sua filha, que, se meu ouvido não falhou, foi ao som de “Suspicious Mind” (Mr. Elvis Presley, por favor).

E foi uma justificativa e tanto, pra tanta empolgação às 11 da manhã no aeroporto. Eu, no lugar dele, talvez estivesse tentando transmitir essa mesma sensação pra todo mundo também.

Modo “repeat”

O problema era quando a bateria do iPod ou do celular estava prestes a acabar; mas eu sempre preferi perder minha localização a perder sensação que o lugar me trazia, ao som de Bob, Beatles, Pink Floyd, Strokes, Lenny Kravitz, Kid Cudi, SOJA, Aerosmith, Matisyahu, Kings of Leon e, para os momentos mais inspiradores, a trilha do excelente “Into the wild”, cantada por Eddie Vedder. (Nada que um bom mochileiro não saiba; todavia, fica a dica.)

E por experiência própria, lhes garanto como essa terapia funciona. Quando não estiver fisicamente onde quer estar, coloque uma música. Ela se encarrega de lavá-lo de volta ou levá-lo adiante. Entre algumas idas e vindas, compreendi que “rebobinar” sensações do passado ou ficar demasiadamente preso ao futuro significa, de certa forma, um baixo nível de apreciação do momento presente. Mas angústias ou nostalgias à parte, eu aprecio essa mágica que as trilhas sonoras de todas as minhas viagens são capazes de fazer, até hoje.

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Escrito por Rafael Feltrin

Tenta ser legal, mas roubava Tazos na 5ª série.