5 lições de humanidade que tive em Timor-Leste

16 de março de 2015 | Escrito por Juliana Santiago | Diário de viagem

Numa pequena ilha em formato de crocodilo, sobre a qual o mundo nunca leu a respeito, nasceu Timor-Leste. Nesse pedaço de chão, houve uma gente se atreveu a ser quem era, a despeito de qualquer armamento e de toda invasão. Foram 400 anos sob o domínio português, sem nunca ter sido Portugal. Vinte e quatro anos sob jugo indonésio, mas Indonésia nunca foi. Vieram Austrália e Japão, e Timor riu-se. E, do alto das montanhas, esperou pacientemente que todo o resto visse: (para nossa sorte) nunca seremos vocês.

E esse é o orgulho timorense: serem quem são e como são na sua terra guarida. E todos os que assim se sentem aqui estão: brasileiros, portugueses, cubanos, paquistaneses, indianos, indonésios, chineses, japoneses, espanhóis, australianos, alemães, turcos. Todos aqui, atrevidamente humanos, trafegando pelas contradições.

Nunca havia visto um povo com tanto contato com a essência humana como o povo timorense. Me fascina e me desafia ver essa mescla de decoro e desapego, de rebeldia e paciência com que escrevem sua história.

Timor-Leste – este lugar que não é na África e que faz chacota da sua manifestação com open bar – me obriga a pensar diariamente a essência humana na sua forma mais genuína, dividindo espaço com todo esse artifício que chamamos de desenvolvimento. Resultado: para cada pergunta que penso responder, cinco questões me retornam.

A seguir, cinco lições de humanidade em um sentido tão amplo que desafia a própria carga semântica da palavra.

1. O ser humano em harmonia com a natureza

lições de humanidade

Há três semanas, fiquei presa em uma ilha há 3 horas da capital Díli, de modo que a única maneira de sair de lá seria em um barquinho de pescador, feito de bambu, com um motor e capacidade para dez pessoas – pequenas. Detalhe: o barco sairia às 3h da madrugada e custava dez dólares por pessoa. Concordamos em ir. Um de meus amigos teve medo, disse várias vezes que não queria morrer. De fato, o período de chuva que vivíamos deixava o mar mais agitado. Chegava a hora de partir e não havia uma luz sequer na ilha senão a lanterna do pescador que nos guiava até o barco. À beira-mar, outros timorenses esperavam a partida. Só nós de estrangeiros. E só meus amigos com medo. Após uma hora naquele barco torto e com água entrando, começa a chover. Nos cobrimos todos com um plástico preto. Passou. Uma senhora cantava música de procissão. Em alto mar, meu colega me relembrou que nauele ponto eram 4 mil metros de profundidade. Que ótimo assunto! Depois vimos os golfinhos no mar e, em uma hora e meia: terra à vista. A senhorinha que cantava, depois, veio me dizer que o mar estava bom naquele dia. Eu já sabia. Não que eu entenda de mar. E menos ainda de timorense. Mas sabia que timorense entendia do seu país.

2. Relações de gratidão e revolta

Aqui em Timor, vejam só, professor(a) é respeitado(a)! Somos frequentemente consultados, homenageados, convidados para eventos de família, o que nos eleva tanto a autoestima quanto nos faz amar este lugar. Entretanto, o mesmo docente, quando à paisana e entretido nos bares em momentos de lazer, é, às vezes, alvo de certos constrangimentos físicos e morais advindo, quiçá, de uma indignação velada dada as desigualdades sociais, e que se dão por manifestar nesses espaços.

3. Saudação e demonstração pública de afeto afugentam o medo

Com dez meses em Timor, aprendi que andar de cabeça erguida e dar “bom dia” significa muito para os timorenses. A desconfiança inicial, a princípio, gera uma atmosfera de estranhamento entre os estrangeiros e nativos. Pudera, nenhum massacre, sofrimento e dor caem tão rapidamente no esquecimento. Mas, a partir do momento em que o estrangeiro veste uma roupa simples e lhes cumprimenta com um “Bom dia, mana”, “Boa tarde, maun” os medos – todos eles – caem por terra. Dia após dia.

4. A morte como parte da vida

lições de humanidade

Túmulos na frente das casas: comuns nos distritos de Timor-Leste.

Em Timor, a morte faz paz parte da vida de uma forma nunca antes imaginada por mim. A maioria dos timorenses com quem convivo tiveram de lidar com a partida de entes queridos. Por conta dos massacres aqui ocorridos há menos de uma geração, todos têm uma história de dor e morte cruel. Mas nem por isso o povo timorense deixa de amar, conviver e compartilhar momentos em família com os seus.

É comum em Timor as famílias visitarem os túmulos e fazerem refeições sobre eles. Em alguns distritos, é possível vê-los na frente das residências, afirmando que o respeito e a união familiar estão para além da matéria.

5. A fidelidade ao próprio instinto

Estava eu em um táxi e, no meio da corrida, o taxista parou, desceu do carro, acendeu um cigarro e fumou-o sem pressa em plena avenida. Depois voltou ao carro e continuou seu trabalho. Cheguei eu a um ilhéu, depois de cruzar o mar em um barquinho. Qual não foi a minha surpresa quando, ao perguntar para o barqueiro se ele poderia voltar às 5 horas para me buscar, ouvir um sonoro “vou ver”. Assim são os timorenses, pessoas que prezam a qualidade instintiva da raça humana. Penso que eles desenvolveram e trabalham tanto o instinto dado o contato com a natureza e a falta de luxos e facilidades na vida. A obediência instintiva dos timorenses é, a meu ver, um instrumento de autodefesa misturado a uma regalia para manter a qualidade de vida.

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Escrito por Juliana Santiago

Nunca comprou melhorias no Candy Crush.