Imigração e preconceito

9 de janeiro de 2015 | Escrito por Filipe Teixeira | Diário de viagem

Não. Isto não é uma análise de um filme dirigido pelo Joe Wright, protagonizado pela Keira Knightley, chamado Imigração e preconceito. É na verdade uma tentativa de esclarecer uma dúvida que muitas pessoas têm. Já recebi algumas mensagens de brasileiros que desejam vir morar aqui em Portugal, a maioria estudantes, com a seguinte pergunta: Essa história de que os portugueses têm preconceito com os brasileiros se confirma? E a resposta é a pior que poderia haver: Depende. Depende da sua predisposição a entender o que é dito e feito, depende das pessoas com quem você vai lidar no dia a dia, depende dos seus próprios preconceitos e de várias outras variáveis.

O problema da generalização

Considero que tive azar quando cheguei aqui, porque dividia um apartamento, entre outras pessoas, com um português extremamente preconceituoso. Ouvi coisas desse cara como “Gosto de ti porque não pareces brasileiro”. Essa frase é interessantíssima na sua dubiedade. Ele generalizou os brasileiros e, ao mesmo tempo, mesmo que de maneira não intencional, percebeu que nem todo brasileiro é daquele tipo que ele não gosta, portanto o problema estava na capacidade dele de aceitar os hábitos das pessoas, não na nacionalidade delas. Perguntei a ele por que eu não parecia brasileiro, e ele me respondeu que eu não era do tipo que falava alto e punha a bandeira na janela. E pra dar mais um exemplo do problema desse cara com bandeiras, ele criticou uma brasileira amiga minha por ter levado a bandeira brasileira pro jogo de Portugal contra a Rússia em 2013, no estádio da Luz.

Dizem que a primeira impressão é a que fica. Mas acho que, com um pouco de esforço, dá pra contornar o problema de uma primeira impressão ruim. Esse cara com quem dividi apartamento não pode nem deve ser tomado como modelo do que os portugueses pensam sobre os brasileiros, afinal lidei com outros portugueses – a maioria, inclusive – que demonstraram tolerância, cordialidade e receptividade. É verdade que a dinâmica das relações pessoais aqui é diferente da que temos no Brasil, e isso é muito natural, pois entre este e o nosso país existem 500 anos de história e três mil milhas náuticas, o que influencia bastante na maneira como as pessoas lidam umas com as outras, não significando, necessariamente, que resida aí preconceito.

A questão da língua

Eu cursei uma disciplina na faculdade chamada Sociolinguística. E a expressão “preconceito linguístico” era uma das mais repetidas nas aulas. A nossa gramática ainda é muito ligada ao português falado deste lado do oceano. Aqui se usa, por exemplo, o pronome do caso oblíquo, mesmo que nas situações mais informais, da maneira que diz a gramática, mas nós subvertemos essa regra há muito tempo. É o que Oswald de Andrade, quase cem anos atrás, tentou dizer no poema “Pronominais”. Eu prometi a mim mesmo antes de vir pra cá que nunca ia entrar em nenhuma discussão que aparentasse não chegar a lugar algum sobre questões da língua. E olha que tive muitas chances.

Há quem diga por aqui que o acordo ortográfico vai destruir a língua portuguesa, ou que nós, brasileiros, deveríamos conjugar o verbo na segunda do singular “corretamente”. Mas há também quem diga que gosta do português falado no Brasil porque nós usamos a língua de maneira irreverente e criativa e que imprimimos um ritmo que a deixa ainda mais gostosa de ouvir. Eu prefiro lidar com o segundo grupo de pessoas. Eu trabalho em uma empresa de tradução em Lisboa, por isso todos os dias surgem questões relativas às diferenças entre a variante europeia e americana da língua portuguesa. E posso afirmar que sempre houve respeito na maneira como essas questões foram abordadas.

A resposta

Então a resposta à pergunta inicial é que existem pessoas que são preconceituosas e outras que não são, seja qual for o país, seja qual for o motivo. O importante é não cair no risco da generalização e ter sabedoria para desfazer estereótipos tanto de cá pra lá quanto daqui pra lá.

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Escrito por Filipe Teixeira

Escritor amador e ansioso profissional.