Triste Brasília, ó quão dessemelhante

17 de maio de 2014 | Escrito por Filipe Teixeira | Autores convidados

por Daniel Cariello, de Brasília.

Quando voltei a Brasília, passei um ano odiando a cidade. Não foi fácil deixar Paris e trocar a Torre Eiffel pela Torre de TV, a baguete crocante com cereais pelo pão francês (que, lamento dizer, não existe na França), os 500 tipos de queijo pela mussarela, uma cidade na qual o carro não é necessário por outra em que é praticamente indispensável, um país que valoriza a leitura por outro que não lhe dá a devida importância. Mas a escolha de retornar tinha sido minha, então precisava aceitá-la. Do contrário, minha vida se transformaria em um eterno lamento do que ficou pra trás, e eu prefiro olhar pra frente.

Passei, então, a focar no que tinha me trazido de volta. Na família, nos amigos, no pão de queijo, no churrasco de domingo, no conjunto camiseta e bermuda o ano inteiro, na bela e longa estação seca de Brasília, com seus pores-do-sol cinematográficos. E na vontade de voltar a usar o português como a língua do dia a dia, pois fazer o biquinho francês dá uma canseira braba.

Lembro do espanto que sentia nos meus primeiros dias em terras tupiniquins, ao constatar que todo mundo falava o meu idioma. Pensava: “por que eles estão conversando em português?”, para então me dar conta de que aquela era, novamente, a minha realidade, depois de 5 anos sendo o estrangeiro.

Nessa meia década, eu havia mudado, e minha cidade natal também. As cercas haviam crescido em número e tamanho, fechando a área verde em frente às casas do Plano Piloto. As crianças haviam desaparecido das ruas. Os engarrafamentos enchiam as avenidas e a paciência dos motoristas, antes habituados a um trânsito sem nenhuma perturbação. Brasília estava mais triste. Ou talvez fosse eu.

A solução para não enlouquecer era buscar uma relação diferente com a cidade. Trazer para cá um pouco da vida que tive fora do Brasil. Meus deslocamentos passaram a ser prioritariamente de ônibus, bicicleta ou a pé, mesmo que a cidade não seja amigável para quem não usa carro. Comecei a procurar feiras de pequenos produtores, para comprar frutas, legumes e verduras longe das grandes redes de supermercado. E aprendi a valorizar os passeios perto da natureza, que Brasília oferece como poucas cidades que conheço.

Depois da quarentena, Brasília e eu nos entendemos novamente. Perdoamos um ao outro por termos mudado tão bruscamente. E nos aceitamos, com todos os defeitos que podíamos ter, mas principalmente pelas virtudes que ainda possuíamos. Hoje, posso dizer que aqui é novamente a minha casa.

No entanto, isso não significa que ficarei na cidade para sempre. Já tenho planos de ir embora novamente, em um futuro não muito distante. Gosto de mudar, de ver lugares novos e pessoas diferentes, de escutar idiomas incompreensíveis e tentar decifrá-los, de experimentar temperos desconhecidos, de mergulhar em culturas tão dessemelhantes à minha, de encontrar outros viajantes e compartilhar minhas vivências com eles.

Expandir seu universo conhecido é expandir sua cabeça e enchê-la de experiências únicas. Depois, ela não volta nunca mais ao tamanho que tinha. O bom disso é que, não importa onde estejamos, sempre vamos carregar um pedaço de casa conosco.

Daniel Cariello é cronista da revista Veja Brasília. Em 2013, lançou seu primeiro livro, Chéri à Paris – Um brasileiro na terra do fromage, com as crônicas que escreveu quando viveu na França. Clique aqui para ouvir a entrevista que o Daniel concedeu a O Nome Disso É Mundo.

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Escrito por Filipe Teixeira

Escritor amador e ansioso profissional.