A tartaruga vive mais que o coelho

14 de fevereiro de 2012 | Escrito por Filipe Teixeira | Diário de viagem, Oreo - Eu na Colômbia

Antes de vir pra cá, eu pesquisei vídeos, textos, fotos e qualquer outro tipo de informações sobre a cidade. O vídeo da série History Travel, do History Channel, sobre Medellín começa assim: “No centro de Antioquia, encontra-se uma das cidades mais modernas da América Latina: Medellín”. Eu sou de Fortaleza, então serão poucas as grandes cidades às quais irei que não considerarei mais modernas. Mas quando cheguei aqui, um dos primeiros ônibus que peguei foi esse aí da foto. Eu juro que pensei que era algo folclórico do tipo “Embarque no passado e conheça a história da cidade!”. Mas não, é o ônibus regular mesmo. Claro que nem todos são assim, além do fato de que há o metrô e o Metroplus, que é um ônibus com faixas exclusivas e cujas paradas são como estações. Porém a maioria dos ônibus são mais antigos e os motoristas são adeptos do “com emoção”.

A Quem Eu Queria Enganar?

Por razões sobre as quais eu já falei aqui, eu comecei a caminhar. Todos os dias uma hora de caminhada, meia pra ir ao trabalho, meia pra voltar. Então meu corpo deve ter pensado: “Quem é você e o que você fez com a pessoa que me habitava?”, porque eu era a segunda pessoa mais sedentária de Fortaleza, perdendo apenas pro Thiago Minhoca. Sendo assim, como um sistema de segurança que trava quando sente que há um intruso, minha coluna travou, porque talvez entendesse que o vírus da vida saudável teria invadido meu corpo. Foi numa segunda-feira.

Everything is closed, it’s like a ruin. Everyone you see is half asleep

Meu horário havia mudado. Nas duas primeiras semanas, trabalhei entre 9h e 18h (com uma hora de almoço), mas a partir da terceira semana, o horário ficou ao mesmo tempo pior e melhor. Pior porque começava às 6h30; e melhor porque entre 8h30 e 15h eu estava livre (livre pra dormir). Então, no primeiro dia, meu próprio corpo me enganou. O celular despertou às 5h30, mas inconscientemente eu desliguei o alarme em vez de apertar o “Snooze”. Acho que meu corpo disse: “Vou é porra!”. (Meu corpo pensa e fala sozinho). Às 6h levantei assustado e então fui trabalhar resignado. Dá uma sensação meio Resident Evil (mas sem os zumbis) quando você sai de casa com o sol nascendo, aparentemente relutante. Mas o pior mesmo foi a inexplicável felicidade do taxista com seu “¡Buenos días, Caballeros!”.  Caballeros porque estávamos eu e o Vini.

A Frida Sabe do que Eu Estou Falando

Voltei do trabalho, tomei banho e então minha coluna disse: “Já chega!”. Não conseguia mais andar. Mas forcei a barra e continuei com dificuldade. Fui à casa da Karol, porque ela me acompanharia ao D.A.S. Cheguei à casa dela 20 minutos atrasado devido ao tempo que fiquei sentado em um restaurante esperando a dor passar.

tartaruga vive mais

Era assim que eu me sentia. Talvez com peitos menores.

Voltei pra casa com dificuldade e esperei a hora de voltar ao trabalho. As pessoas me disseram pra que eu fosse ao médico, mas eu não sou disso. A última vez que fui ao médico por causa de doença foi em 2005, mas na verdade eu queria só o atestado mesmo. Não tenho a cultura de ir a hospitais, nem pra visitar. Por exemplo, no dia que minha mãe operou a vesícula, eu fui pro show dos Engenheiros do Hawaii na Praia do Futuro. Assunto encerrado. Peguei um ônibus porque realmente não conseguia andar. O problema é que entre o ponto em que eu desci e o trabalho, tive que andar uns 10 quarteirões. E, assim como Jesus, caí três vezes. Na verdade foram só duas, mas dizem que Jesus não caiu nenhuma, então estou no lucro. Tentei não me levantar durante a aula de 15h a 18h e, quando tentei mudar de sala pra dar a aula de 18h a 20h30, simplesmente não consegui. Sentei na cadeira e esperei os alunos chegarem.

Todos en la Cama o Todos en el Suelo

tartaruga vive mais

Mas a Cláudia Lobo, minha coordenadora, viu minha situação e disse que eu parasse a aula. Então chamou o médico a que a empresa do alarme do ILP (Instituto de Língua Portuguesa) dava direito, mas não chegou nunca. Foi então que eu lembrei que eu tenho um seguro. E não é que funciona! Demora, mas funciona. Você só não pode ter um infarto, porque realmente não tem como o seguro chegar a tempo, mas uma dor infernal na coluna que não permite que você dê um passo sequer, tudo bem. As coisas ficaram tensas. E eu com medo. Afinal andar é importante. O seguro me indicou uma clínica e então a Cláudia me levou em seu carro. E acompanharam também a Lucy, o John (ambos do ILP) e o Vini. Entrei na clínica de cadeira-de-rodas, o que poderia ter sido divertido, mas não havia ninguém pra apostar corrida. O que me impressionou foi que as pessoas ficaram comigo no hospital até meia-noite e meia, mesmo sem, na prática, precisarem ficar. Não havia nenhum vínculo que os prendesse a mim, mas ficaram lá esperando. E mais: depois ainda me levaram pra casa.

Mais Agulhas

A doutora (ai, ai, ai) do plantão me disse com todas as letras que o problema era a mudança de hábitos. Em resumo, minha versão sedentária era mais saudável que minha versão, digamos, saudável. Ela concluiu isso após analisar as radiografias e depois que fiquei meia hora com uma agulha, mais uma – pela qual passava o relaxante muscular -, enfiada na mão e tentando não me mexer muito, apesar de o Vini não parar de fazer vozes, caretas e analogias absurdas. Nunca fiz amigos bebendo leite, isso é fato, mas talvez eu seja a primeira pessoa que fez um amigo tomando um relaxante muscular na veia. O cara ficou lá no hospital e ainda me substituiu no trabalho nos dois dias que fiquei convalescendo. A Karol comprou os remédios, a Doña Marina levou uma garrafa d’água pra eu não descer ter as escadas, ou seja, as pessoas realmente se preocuparam comigo e cuidaram de mim. Isso não significa que eu seja uma pessoas sensível que faça corações com a mão, mas eu sou egocêntrico o suficiente pra gostar de toda a atenção do mundo, mesmo que pra isso meu próprio corpo me sabote.

Lição

Mesmo sedentária e lesa, a tartaruga vive mais que o coelho.

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Escrito por Filipe Teixeira

Escritor amador e ansioso profissional.