Tour social na comuna 13

7 de julho de 2015 | Escrito por Filipe Teixeira | Lugares, Viva Medellín

A cidade da eterna primavera nem sempre foi lembrada pela simpatia e pelo clima ameno. Com o passado doloroso, Medellín se reergueu de maneira admirável. Antigamente, tomada pelo medo e a insegurança que o narcotráfico gerava para a todos os habitantes. Hoje, todos caminham livremente com a esperança de um futuro próspero. Quis ver isso mais de perto. A ideia foi fazer um tour social, visitar as comunas, que são lugares humildes, longe do centro da cidade.

Para mostrar toda essa transformação, quem nos acompanhou foi Julio, da Travel Operator, um guia supersimpático que conhece bem a história da cidade. Começamos o tour pela Plaza de San Antonio (ou Parque de San Antonio). A mudança estava materialmente ali: a escultura de Botero O Pássaro foi alvo de atentado por parte das guerrilhas em 1995. Colocaram uma bomba na obra e isso levou à morte de várias pessoas e deixou mais de 200 feridas. Acusaram o artista de ser um explorador porque a obra foi encomendada pelo poder público em uma época muito difícil. Fernando Botero disse que deixaria a obra destruída na praça como “monumento à imbecilidade”. Hoje em dia, ao lado da escultura do pássaro destruído, há uma nova do mesmo pássaro, simbolizando, portanto, uma antiga e uma nova cidade. Muito tocante.

comuna 13

Depois disso, andamos de metrocable (são como se fossem bondinhos, mas servem para a mobilização urbana.) Há vários e funcionam muito bem. Serviu, inclusive, de inspiração para a comunidade do Complexo do Alemão (onde já existe) e da Rocinha, no Rio de Janeiro. Pensei que teria receio por causa da altura e que seria taxada como a nova Dona Glória, mas não tive, foi tudo tranquilo.

No caminho, o guia nos explicou que a comuna 13 sofrera um incêndio. Como a maioria das moradias eram barracos de madeira, muita gente ficou sem teto. Para ajudar essas famílias, parte dos apartamentos que foram utilizados para Vila Olímpica dos Jogos Sul-Americanos de 2010 foram doados. Isso trouxe autoestima e dignidade para os habitantes do lugar. Nessa onda de auxílio e empatia, surgiu um projeto muito importante: a Pilsen, uma marca de cerveja notável aqui na Colômbia, no seu aniversário de 100 anos, doou 110 tetos para quem mais precisava. O mais bacana disso tudo é que tais tetos sofreram a intervenção de grafiteiros. É praticamente uma galeria urbana. Genial!

comuna 13

Em seguida, subimos para a comuna 13 – San Javier (que já foi considerada a mais perigosa de Medellín). A  parte mais difícil do trajeto todo veio à tona: subir. A subida era pequena, mas por ser uma região montanhosa e o sedentarismo inversamente proporcional ao tamanho da ladeira, foi árduo. Me arrependi de todas as corridas que deixei para mais tarde. Subi quase arrastando, mas Filipe, meu namorado, foi um bom apoio: comprou água e subiu ao meu lado. Me senti uma atleta. Por um minuto, escutei “Eyes of Tiger” ao fundo. A promessa de voltar a correr na segunda-feira entrou para a agenda.

Assim que subimos, Julio disse que precisávamos experimentar algo. Perguntou se nós já tínhamos provado paleta. Respondemos que sim. Só que essa não era aquela gourmetizada. Não era de Leite Ninho com Nutella. Era de manga verde com limão e sal. Sim, leitores, vocês leram certo. Como fã de sabores azedinhos, imaginem minha cara de felicidade desejando milhões dessa paleta. Uma delícia!

comuna 13

Saboreei o picolé todo sentada num banco. Para mim, parecia um lugar do interior em que todo mundo se conhecia. Vi funcionários do governo de Medellín uniformizados, trabalhando e entregando folhetos. Ao contrário do que imaginei que viria, não vi fuzil. Não senti medo nem receio. Vi cachorros deitados na porta de casa curtindo uma preguiça, comércio aberto e pessoas arrumando a casa. Olhei pra frente e jurei que estava delirando: tinha uma escada rolante. Como assim? Mais um shopping? Não! Felizmente, essas escadas foram as primeiras públicas introduzidas em um local de baixo recurso. Foram construídas para facilitar o acesso dos moradores. Como o lugar é íngreme, demorava para que os moradores chegassem a casa. Isso é ou não é maravilhoso, minha gente? O investimento foi de 13 milhões de reais e isso fez com que investimentos chegassem à região, resgatou a autoestima e, além disso, como há sempre fiscalização tanto por parte da polícia quanto do exército, houve uma queda brusca na marginalidade.

foto4

Na comuna 13, é muito comum ver paredes grafitadas, coloridas e cheias de arte. Isso foi possível graças à vontade de que o lugar fosse ideal para expressões artísticas da comunidade. Com isso, foi criado em 2013 a Casa Kolacho. O nome foi dado em homanagem a Héctor Pacheco “Kolacho”, líder do movimento cultural assassinado em 2009. Para que pudéssemos ver as pinturas de perto, fizemos um grafitti tour. Com a vida transformada, um dos temas preferidos dos artistas de rua é a metamorfose que o bairro passou nesses anos.

comuna 13

Há também uma escultura para simbolizar paz e amor. Achei bem bonitinha, pop. Quando o guia disse que foi o Juanes, tive que tirar a foto. Sou gringa aqui, né, gente? Se tem artista colombiano, já quero registrar logo. Ainda mais quando descubro que ele tem um projeto bacana. Ele tem uma fundação, a Mi Sangre, que é bastante séria e leva arte e cultura de paz para crianças e jovens da cidade.

comuna 13

Com tudo isso, senti na pele a mudança da cidade. Medellín não ganhou o prêmio de cidade inovadora em 2013 à toa. Percebo uma ânsia de melhora tanto dos gestores quanto dos próprios habitantes. Como latino-americana, fico bastante orgulhosa em ver essa mudança de perto. Como moradora, fico feliz em ver que esse povo tão amável tem, finalmente, o que sempre mereceu. Torço para que outros países copiem e que muito mais pessoas possam desfrutar dessa humanidade.

Deixe um comentário

Escrito por Filipe Teixeira

Escritor amador e ansioso profissional.