Para entender o “não” grego

7 de julho de 2015 | Escrito por Filipe Teixeira | Autores convidados

por Gabriela Aragão, de Atenas, Grécia.

Depois do resultado do referendo de domingo, que confirmou o “não” grego em aceitar os termos do último acordo proposto pelo FMI, tenho visto muitas manifestações um tanto apaixonadas sobre o que está acontecendo aqui. De um lado, pessoas orgulhosas do exemplo democrático agem como se agora todos os problemas estivessem resolvidos: o povo venceu os bancos! De outro, o pessoal que culpa os gregos irresponsáveis que devem e não querem pagar e estão jogando o país num abismo criado pelos comunistas do mal.

Aqui na Grécia o clima não é bem esse. Quem votou “não” (apesar das comemorações que a mídia presenciou) sabe muito bem que essa semana é decisiva e perigosa, não estava satisfeito com a política da troika, que não tinha nenhum foco no desenvolvimento da economia, mas sabe que não tem garantia nenhuma do que vai acontecer a partir de agora. Quem votou sim também não estava feliz com as medidas de austeridade que fizeram a dívida ficar cada vez maior (proporcionalmente) se comparada ao PIB do país (o próprio FMI já reconheceu vários de seus erros nesse processo, sem mudar sua atuação), mas tinha medo da incerteza de agora e preferia o mal conhecido ao novo.

"não" grego

Apesar de a imprensa internacional aumentar muito e sempre procurar os casos mais dramáticos para tratar como se fosse a regra geral, há sim um desconforto no país atualmente – causado muito mais pelo receio do que ainda pode acontecer, do que por problemas atuais. A mídia grega é hegemonicamente contra a política do Syriza, e fez uma campanha muito eficaz pela votação do “sim” no referendo, e isso incluiu bastante terrorismo, a ideia era colocar medo nas pessoas, e nesse aspecto funcionou (apesar de terem perdido a votação).

Mas a realidade agora ainda está bem longe do caos. Os bancos continuam fechados, não se sabe até quando. As filas dos caixas eletrônicos estão sim cheias o dia todo, e há um limite de saque diário de 60 euros (que não se aplica aos turistas). Quem não tem cartão está tendo dificuldade de sacar qualquer valor (e é por isso que os bancos estão cheios de aposentados). O transporte público está gratuito até segunda ordem, e algumas (poucas) pessoas correram pros supermercados por acreditarem que poderão ficar desabastecidos nas próximas semanas, mas além disso a vida segue normalmente pra maioria da população.

"não" grego

A partir desta terça feira, no entanto, as coisas podem mudar. Se pra bem ou mal ninguém sabe ainda, e as previsões têm muito de “mãe Diná” e pouco de exatidão. As negociações serão retomadas, mas não se sabem ainda os termos que serão oferecidos (se forem iguais ou piores que o último acordo, o governo grego será obrigado a rejeitar por conta da vontade do povo expressa no referendo). Caso não se chegue a um consenso, a Grécia deve necessitar em breve de uma moeda própria, pois não tem autorização para imprimir euro, e o Banco Central Europeu vai continuar sem enviar nada para o país. Ou seja, ainda que não haja um mecanismo legal para expulsar o país da moeda única, é bem possível/provável que isso aconteça naturalmente.

A Grécia entrou na zona do euro quando não tinha força econômica pra isso. O dracma (a moeda anterior) era bastante fraca, então a mudança repentina fez com que se tornasse bastante fácil o pedido de empréstimos porque os juros baixaram muito de forma abrupta. Atualmente, torna-se cada vez mais claro como o euro não foi algo benéfico para o país, e como uma moeda tão forte dificulta a saída de uma crise dessas dimensões. De qualquer forma, a mudança monetária tende a causar pânico nos mercados, e por mais que facilitasse para o país equilibrar a sua balança comercial (importação/exportação), não há como prever o preço exato disso, as suas consequências. Resta agora bastante incerteza e expectativa pelas cenas dos próximos capítulos.

Gabriela Aragão é formada em Direito pela UFPE, já morou no Quênia e no Egito antes de ir pra Atenas, Grécia, onde trabalha, como voluntária, com refugiados. Conheça mais sobre a Gabriela clicando aqui.

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Escrito por Filipe Teixeira

Escritor amador e ansioso profissional.