Não há fronteiras: Brasil x Colômbia para além do futebol

20 de junho de 2015 | Escrito por Filipe Teixeira | Diário de viagem

A lembrança mais remota que tenho do futebol colombiano são as acrobacias do folclórico goleiro Higuita. Lembro também da cabeleira do Valderrama e do trágico fim da melhor seleção cafetera já vista, com o assassinato do zagueiro Andrés Escobar, que fez um gol contra na partida frente aos EUA na Copa de 1994.

A partir de então, a seleção nacional da Colômbia perdeu força, com uma discreta participação no mundial de 1998, realizado na França. O último lampejo de qualidade foi o título da Copa América de 2001, jogada em casa.

No início de 2012, eu me mudei para Medellín, cidade onde Escobar fez história jogando pelo Atlético Nacional. Eu trabalhava ao lado de um centro esportivo que possui uma estátua em sua homenagem. E, apaixonado pelo povo colombiano, comecei também a acompanhar a seleção.

No final de 2013, quando eu já estava em Portugal, comemorei a classificação da seleção para a Copa que seria realizada no ano seguinte no Brasil. No dia da estreia contra a Grécia, eu estava sozinho em um bar de Istambul, com a camisa amarela cafetera fazendo piadas filológicas mentais com o fato de um cara chamado Teófilo fazer o primeiro gol contra os gregos. Armero e James completaram o placar. Depois vieram Costa do Marfim e Japão. Este último jogo, especificamente, foi especial, pois assisti a ele acompanhado de vários colombianos que viviam em Lisboa e de um amigo que meses depois se mudaria exatamente para a terra dos samurais e de seus amigos japoneses. Classificação garantida, agora era se preparar para a partida contra os uruguaios, no Maracanã.

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Torcida colombiana no Parque Eduardo VII, em Lisboa, Portugal.

Assisti à partida das oitavas em um bar em Madri lotado de colombianos. Quando James fez aquele golaço, de fora da área, foi uma explosão de Sí, Sí, Colombia! Sí, Sí, Caribe! No segundo tempo, mais um gol do camisa 10 e agora era esperar o jogo das quartas contra o Brasil, que tinha se classificado horas antes, vencendo o Chile nos pênaltis.

No dia do jogo, que aconteceu em Fortaleza, minha cidade natal, tive um problema na coluna e acompanhei a partida de casa. Confesso que estava dividido. E fiquei feliz com o resultado, claro, pois o Brasil avançou, mas uma parte considerável de mim queria que a Colômbia chegasse às semifinais, pelo futebol que apresentou e porque considero esse país minha segunda casa. Apesar do que muitos colombianos que conheço disseram sobre a partida, o Brasil mereceu ganhar. Ospina se posicionou mal na jogada do gol de David Luiz e o gol do zagueiro veterano Yepes foi bem anulado, basta ver as imagens e analisá-las sem torcer.

Mas essa partida terminou muito mal para o Brasil, devido à lesão de Neymar na jogada com Zúñiga. Houve vontade e força demais do colombiano, é óbvio, mas dizer que houve má fé é um exagero, e eu condenei Facebook afora as inconcebíveis reações de muitas pessoas em relação ao camisa 18 da Colômbia, que definitivamente ultrapassaram o futebol. Em resumo: se você não quer contato, vá jogar tênis.

Aconteceu de, um ano depois, eu estar novamente em Medellín e, coincidentemente, a Colômbia cair no mesmo grupo do Brasil na Copa América. Depois de perder para os vizinhos venezuelanos, os cafeteros vieram mordidos para o jogo contra o Brasil, principalmente por estarem com a derrota do ano anterior ainda atravessada. O clima por aqui é o mesmo que percebemos no Brasil em época de Copa. Em dia de jogo, Medellín se veste de amarelo para torcer pela seleção.

Todos nós sabemos que a seleção brasileira não empolga há muito tempo. Não só pelos resultados ou pelo estilo de jogo, mas também pela falta de envolvimento dos jogadores e, para mim, principalmente, por não os conhecermos. Quem é Fred? Quem é Firmino? Onde fica Donetsk? O meu envolvimento com a seleção se reduziu ao ponto de eu vestir a camisa da Colômbia e comemorar muito o gol de Murillo e vibrar quando Firmino (mais uma vez: quem é esse cara?) perdeu aquele gol.

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Assistindo à partida em um bar de Medellín.

Engrossei o coro dos colombianos no bar quando vaiaram Neymar por tentar fazer gol de mão, por dar piti ao não receber uma falta, por xingar Zúñiga, por chutar a bola em Armero. Não dá pra simpatizar com esse cara. Ele fez o gol de empate contra o Peru e deu um passe de gênio para Douglas virar o placar. Ponto pra ele. Mas só isso não é o necessário para vestir a camisa 10 e a faixa de capitão da seleção brasileira. É preciso não ser uma criança mimada que esperneia quando não tem o que quer.

Uma hora depois do jogo, ainda se ouviam buzinaços e fogos de artifício. No dia seguinte, os jornais estampavam dizeres como “Alma lavada”, “Revanche” e “24 anos depois”, em referência à até então última vitória da Colômbia sobre o Brasil e ao jejum que se seguiu depois disso.

Não deixei de torcer para o Brasil. Contra a Venezuela, vou para o bar ou para um parque aqui em Medellín onde há um telão e vou torcer pra que o Firmino acerte o pé. Mas duas horas antes vou estar apoiando os colombianos contra o Peru. Não vejo problema em torcer para duas seleções, principalmente duas seleções sul-americanas, com história e povo tão parecidos, divididos por fronteiras que para mim já não há.

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Escrito por Filipe Teixeira

Escritor amador e ansioso profissional.