Não solte a minha mão – carta sobre o que se “perde” ao viver longe de casa

19 de abril de 2015 | Escrito por Juliana Santiago | Diário de viagem

Sim, já faz um tempo que estou longe de você. E assumo: foi escolha minha. Ninguém me obrigou. Não fui forçada a fazê-lo. No entanto, aqui estou. E, entre momentos bons e ruins, assumo. E você está aí. Posando feliz para as fotos. Por vezes, com pessoas que nunca vi. Pessoas novas, afinal, a vida não para. E essas coisas são inevitáveis pra quaisquer de nós.

Talvez a foto na rede social corresponda ao meu temor. Talvez tenha você conhecido outra pessoa, dessas que mexem com os cinco sentidos e desperta o sexto. E eu, daqui, de longe, nada posso fazer que não seja desapegar-me. Pois pessoas não me pertencem. Destinos não me pertencem. Esperas não me pertencem.

Sim, fiz uma escolha ao decidir viver longe de casa, De tantas que poderia ter feito, entre todas que estiveram ao meu alcance.

Poderia ter ficado a ver o amor crescer. E ver os avós envelhecerem, os pais orgulharem-se. Poderia ter visto o mundial no Brasil. Momentos históricos. Sete a uns. Poderia ter comido risóli nos 50 anos de minha mãe. Manter meu cabelo escuro, meu corpo delgado. E, no entanto, decido arriscar tudo. E o que até então se vinha consolidando em um lugar, apenas se inicia em outro.

viver longe de casa

Pulseirinhas representando o Brasil e a Colômbia. Um resgate simbólico do meu país de origem e do país no qual vivi.

Estou eu só aqui, criança graúda. Tal como peixe do aquário que viera ao oceano, descobrindo tudo novo. Descobrindo, inclusive a própria beleza, o próprio talento. Eu que sempre estive aí. Que sempre fui tua – amiga, filha, namorada.

Perdi. Perdi a primeira palavra da criança. Perdi o último suspiro do avô. Tudo aconteceu enquanto estive aqui, nessa terra distante, a qual o porvir só diz respeito a mim. E sei que é audácia querer estar em dois, três lugares ao mesmo tempo. Que não sou nenhum Deus, e que, como todo humano, me cabe escolher e, com isso, me resignar e aceitar que não se pode ter tudo.

Depois: acreditar que o que escolhi seja o melhor. Para mim, para todos. Pois cada um trilhará seu caminho, perto ou longe.

viver longe de casa

Ferry boat no qual cheguei a Hong Kong.

O namorado, amado de outrora, encontrará outrem. Eu, encontrarei alguém. Novas pessoas entrarão na família. A criança crescerá – na vulnerabilidade e surpresa da mudança. Acompanhando o passo do porvir. E verdade é que não posso impedir, nem evitar. E para sofrer menos, só me resta desapegar: saber que tudo é cíclico e finito e nada me pertence – como se fosse fácil.

Saber que fiz uma escolha, tal como todos e qualquer um e com isso tenho ônus e bônus.

Porém, posso, sim, pedir, na humildade da causa, sem pretensão de ter, mas como quem tenta, apenas: “não solte minha mão”. É você – são vocês – o que minha infância conheceu, minha adolescência recebeu e, portanto, a adulta, que há em alguma parte de mim, concebeu. Foi em você(s) que pensei, ao partir, e quem quero ver quando voltar. Com o que quero me reconectar.

Há, nesse ínterim, que já dura ano, esse pedido egoísta e surreal: que o amor possa permanecer e a amizade continuar; que o cachorro não me esqueça; que o mercado de trabalho ainda me aceite e nada disso solte a minha mão. Não solte! Imperativo que internamente brado, para quando eu voltar a sentir-me menos deslocado e não vir o lado ruim nas consequências de minhas escolhas.

Por favor, não solte a minha mão!

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Escrito por Juliana Santiago

Nunca comprou melhorias no Candy Crush.