Esses portões – Curiosidades sobre Singapura

20 de março de 2015 | Escrito por Rafael Feltrin | Diário de viagem

Ela me recebeu no início de 2013, sem rodeios a mais, além de um jet lag de 11 horas a menos. Meio atordoado, caminhei pelo finger da Singapore Airlines – numa mistura eufórica de ansiedade e receio – mas na pele de um mero mortal já acolhido por aquele “Welcome to Singapore, may I help you, Sir?” da comissária, típico de uma educação oriental. Pelo aeroporto eu já percebia o primeiro mundo. O mundo onde tudo funciona, mas é proibido mascar chiclete, fazer barulho ou atravessar a rua fora da faixa de pedestre. (E ai do pedestre que for flagrado “pulando fora” da faixa.)

De certo que, ao longo do tempo, a adaptação foi rápida e relativamente fácil. Como um bom brasileiro, claro que no primeiro instante, estranhei determinadas regras e, para um viciado como eu, superar a abstinência do chiclete não foi nada fácil, mas bem-vindo à Singapura e nada que um belo smoothie de melancia não desse conta do recado, enquanto eu esperava o metrô. E esses metrôs, abarrotados num mix de etnias que me traziam várias reflexões, quando a bateria do celular acabava. A hora do rush não tinha choro nem vela, somente malaios, hindus, chineses e “intrusos”, como eu e outros participantes do jogo da Ásia.

singapura

Lá é assim. No meio dos skylines, construções futuristas e arquiteturas modernas, há tanta cultura que tudo se mistura. Entre Malásia, China, Índia ou qualquer raiz que fosse, aprendi que cultura não é comparável, mas respeito é o mesmo em todos os dialetos. E às vezes é um exercício suado, respeitar aquilo que você não concorda. E torna-se cada dia mais cruel abanar a sua bandeira brasileira quando se vê o quanto lá fora o sistema funciona; enquanto no país do verde e amarelo, tudo está ainda muito cinza. Não se vê uma viatura pelas ruas, embora seja um dos países mais seguros do mundo. Lá os HDBs para população pobre são como condomínios de classe média no Brasil. Não se joga lixo na rua; não se vê um mendigo. Não porque existem só ricos, mas porque o governo faz o seu papel de manter o país longe das desgraças. E as melhores escolas são as públicas. Lá, educação é educação no termo original da palavra. E é de graça.

A partir desses portões, o briefing cultural sempre foi outro. Aprendi que se come muito com a mão. Quando não, usam um hashi e uma colher, talvez um garfo – faca é talher ocidental. Ovos podres cozidos e sopa de ninho de andorinha é comida de rico, em Singapura custa caro. E não estranhe se ouvir arrotos em um restaurante (eles não guardam nada, o que deve sair, eles soltam); Não bata com a ponta do hashi na sua comida. É um sinal de morte e você não irá querer que espíritos entrem no seu alimento. O número 4 não é bom. Prefira os números ímpares, são mais auspiciosos. Você vai notar que muitos prédios não tem o 4º andar, muitas comidas vêm em 2 ou 6 unidades, mas não em 4. O 4 é o número da morte. Jamais ofereça gorjeta; ele pode não ser rico, mas não lhe ofenda com suas moedas. Dinheiro se pega com as duas mãos; cartão de visitas também. Sapatos não entram em casa. Não se leva sujeira para dentro de sua casa, por isso mantenha-os lá fora.

singapura

Diante de tantas novidades, regras e paradoxos, minha vida fluiu por lá. E os calendários não paravam de perder folhas entre aqueles portões, fossem eles no Mandarim, Tamil ou Malaio.

Assim, também aprendi que a sua casa é o seu coração. Então mantenha-o limpo e aconchegante, pois onde ele for, lá será a sua casa. E principalmente mantenha-o de portões abertos. O conforto sempre vai ser mais quente e certo. Mas é o caminho do diferente, tentar e falhar, que lhe ensina a vida. Você fica mais forte, seus pés ficam mais maduros e seu coração mais firme para o próximo passo. A partir desses portões foi que eu perdi a rotina do medo. Me acostumei a casas sem grades, a andar sozinho pela madrugada afora, para ir comprar um cigarro ou somente conferir se aquele velho chinês estava sentado naquela esquina, lendo seu livro. Me acostumei a me largar por aí, a viver como ser humano. E não feito bicho acuado, sem nada de valor junto ao corpo – que é para não lhe arrancarem a vida. Me doeu quando percebi que deixei de viver diversas vezes por medo de me tirarem dela de vez. Toda vez que eu cruzava esses portões – tanto na entrada quanto na saída – eu aprendia mais sobre a Ásia. E sempre fiz questão de acatar tudo o que ela tinha para ensinar, fosse por bem ou por mal; Esses portões sempre me fizeram olhar o mundo de um jeito fascinante. A partir desses portões, eu descobri e me surpreendi muito além do que eu imaginava.

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Escrito por Rafael Feltrin

Tenta ser legal, mas roubava Tazos na 5ª série.