Cruz de Malta na construção: a cultura portuguesa em Timor-Leste
Hoje tive o pesadelo de que iria embora de Timor e, ainda dentro do próprio âmbito dos sonhos, já eu ficava inconformada e me perguntava o porquê da autoria de tamanha insensatez. Se Timor me mantém vivo o espírito investigativo, se me aproxima ainda mais da essência humana e se me propõe perceber tantos discursos entremesclados orquestrando sua cultura e sua gente, o que me poderia ser mais tentador, a esta altura da vida, senão aqui estar?
Timor-Leste é uma mescla de discursos plural e ímpar. Discursos indonésios, portugueses, japoneses. Discursos que cá nasceram ou que cá se customizaram dado o resgate de raízes que o país vive junto aos resquícios da imposição que viveu.
Provas desse resgate são os acontecimentos políticos e linguísticos do âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a implementação da língua portuguesa como língua de instrução, as cooperações portuguesas que aqui se instalam, etc.
Mas cá não quero falar do vigente a olho nu, do vulgarmente perceptível, mas sim do que passa despercebido, mesmo quando materializado, por exemplo a presença da cultura portuguesa em Timor-Leste: além das pessoas, além da língua, além das cooperações.
Portugal está em detalhes que, de tão corriqueiros, o cérebro prefere nem observá-los. Olha-se sempre o Latu, o grande – porque não há quem queira descobrir a pólvora: só se quer a bomba atômica.
Os nomes próprios – assim como os sobrenomes – dos timorenses são predominantemente portugueses. Pegam-se, com grande frequência, listas em Timor-Leste com 100% de nomes ocidentais e populares em Portugal. João Bosco. Tito. Aurélia. Rui. Agostinho. José Maria. Manuel. Domingos. Judite. E os sobrenomes seguem a mesma linha: Cunha, Gama, Gusmão, Ximenes, Lima, Costa, Santos, Correia, Mendes, Amaral, Silva, Cabral, Guterres, etc. Não menos lusitana nos soa a forma como os timorenses se apresentam. Nome e segundo nome. José Maria. Maria Felipe. Filomena José. Quando não dizem o nome completo. Mas raramente se apresentam somente pelo primeiro nome.
Outro ponto que pouco chama atenção, mas lá está, é um monumento simbólico com a cruz de malta, e feito em homenagem a um português (segundo a placa explicativa), numa pequena praça situada ao meio de uma das principais avenidas de Díli. Cruz de Malta na construção.
O apreço pelo galo aqui é outro traço notório. Nesse território: atropelem um cachorro, mas nunca um galo – querido galo – que aqui se cria com sagração, com coleira, com estimação. E qualquer semelhança com a lenda do Galo de Barcelos creio não ser mera coincidência…
O empréstimo da língua portuguesa para a língua tétum (idioma nacional de Timor-Leste) é latente. Em tétum, “causa” virou “kauza”, “cooperação” tornou-se “koperasaum”, assim como “bluza”, “bonitu”, “bonoite”, “divizaun” são palavras existentes na língua tétum graças ao empréstimo linguístico da língua portuguesa, cuja escrita – muito sagazmente – ganhou características de proximidade com a fala.
Bandeiras de Portugal, assim como a camisa da seleção portuguesa de futebol, estão expostas pelos quatro cantos de Timor, à venda nas feiras, bazares, pequenos comércios. Também dentro e fora dos táxis como adorno. Há uma manifestação de respeito e até mesmo de carinho por Portugal por parte de alguns timorenses. Há também esse respeito pelo Brasil. Não igual, mas há.
E além de tudo aqui dito, há muito mais de Portugal aqui, bem nítido. E para discorrer sobre o bem nítido, uma vez que se pode ver a olho nu (na ciência, nas enciclopédias e no próprio Timor), aqui, já me limito. Neste espaço, apenas o subliminar, o que nos salta direto ao inconsciente. A cruz de malta na construção que ninguém sabe que vê.
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Escrito por Juliana Santiago
Nunca comprou melhorias no Candy Crush.