Clichês não nascem à toa

22 de novembro de 2014 | Escrito por Filipe Teixeira | Diário de viagem

O Thiago Minhoca sempre disse que a expressão “que mundo pequeno!” não faz sentido, já que sempre que ele ouviu essa frase de alguém, tratava-se de um evento ocorrido com pessoas que viviam na mesma cidade e que fatalmente essas pessoas seriam interseções de um ou outro grupo social.

E eu comprei a ideia. Fazia todo sentido. Passei a analisar as situações em que essa expressão era proferida e o Minhoca tinha toda razão. Não demorou muito pra que eu ecoasse esse pensamento por aí. E como eu sou virginiano demais pra me contentar só com isso, passei a questionar ditados, estereótipos e clichês. Enfim, ficou bem difícil conversar comigo.

Mas aí, meus amigos, depois de certas viagens, comecei a repensar a filosofia do Minhoca a partir de alguns fatos que me aconteceram. E vou relatar dois deles aqui.

Duas húngaras no Porto

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Anna, eu e Zsuzsi no churrasco do hostel no Porto.

Pouco tempo depois, uma garota que vinha da cozinha com um sanduíche sentou numa mesa em frente à TV. Com toda a desenvoltura que toma conta do meu ser quando viajo, disse o famoso “Hi” pra ela. Mas meu verdadeiro intuito era distraí-la porque ela parecia perigosamente interessada em mudar de canal e isso poderia atrapalhar meu futebol.

Em junho de 2013, passei uns dias na cidade do Porto, no norte de Portugal. No segundo dia em que eu estava lá, depois de andar pela cidade e derreter no verão português, voltei para o hostel para assistir à estreia do Brasil na famigerada Copa das Confederações. Faltando uns 15 minutos para começar a partida, fui para a área comum do hostel, sentei no sofá e escondi o controle remoto da TV embaixo de umas almofadas por questões de segurança.

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Foto da cidade do Porto para descansar a vista entre um bloco de texto e outro.

Ela se chamava Zsuzsi (pronuncia-se “juji”), húngara de Debrecen, mas vivia em Budapeste, e estava ali para um congresso de literatura. A pesquisa de mestrado dela era sobre uma autora cubana e, tendo eu dito que havia morado na Colômbia, mudamos o peixe-babel para o espanhol em determinado momento da conversa. Mas foram resumidos minutos, já que era só um sanduíche, e foi até bom, porque o jogo já ia começar.

Não demorou muito até que entrou na sala outra garota, que era a cara da Olga Benário. Apesar de o jogo estar bastante movimentado, mantive a extroversão e “Hi”. E foi devido aos fatos a seguir que a teoria do Minhoca começou a se desfazer.

Ela se chamava Anna (pronuncia-se “ana” mesmo), húngara de Debrecen, mas vivia em Budapeste, e estava ali para uma conferência que se realizaria em Lisboa dias depois, mas como ela veio da Hungria pela Ryanair, e só havia voos para o Porto, decidiu antecipar em alguns dias a viagem para turistar antes de ir para a conferência.

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Meses depois reencontrei a Anna em Budapeste.

A conclusão a que cheguei naturalmente foi que elas duas eram amigas, talvez amigas de infância e, olha só!, tiveram a oportunidade de viajar juntas e curtir o fim de semana em Portugal. Mas não. Elas nunca tinham se visto antes, vieram em voos separados e por acaso escolheram o mesmo hostel para se hospedar. O fato de elas terem ficado no mesmo quarto talvez tenha sido devido a alguma política do estabelecimento, mas ainda assim já é uma bela coincidência.

E como se isso já não bastasse, a Zsuzsi voltou do quarto e se juntou a nós já falando em espanhol. Pra minha surpresa, a Anna respondeu e eu fiquei com aquela cara de “Mas como assim, gente?”. O fato é que a Anna havia morado em Sevilha por uns tempos e aprendeu espanhol por lá.

Resultado: Brasil 3×0 Japão.

Uma colombiana em Atenas

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Colunas, muitas colunas, Alexandra e eu em Atenas

A colombiana que a Eftyhia conhecera em Lisboa estava naquele mesmíssimo momento em Atenas. E como ambos estávamos viajando sozinhos, nossa amiga grega em comum fez a ponte e no dia seguinte nos encontramos na praça Syntagma. Passamos a tarde entre um sítio arqueológico e outro, vendo milhares de colunas até não podermos mais.

Em junho deste ano, passei três dias em Atenas. Na primeira noite na terra da filosofia, dos prefixos e dos sufixos, tomei umas cervejas com a Eftyhia, uma grega que conheci através do Couchsurfing. Aí, conversa vai, conversa vem, surgiu o assunto “eu morei na Colômbia”, e ela me disse que conheceu uma colombiana de Bogotá chamada Alexandra, em Lisboa, havia mais ou menos um mês. E dessa coincidência trivial, a coisa foi aos poucos tomando proporções globais.

Paramos para tomar uma cerveja e foi durante a conversa que a teoria do Minhoca foi definitivamente negada e o clichê “mas que mundo pequeno!” voltou ao meu vocabulário, com força e precisão. Alexandra trabalhava como au pair em Amersfoot, na Holanda, país que seria minha última parada dessas férias. Ela até conseguiu hospedagem pra mim com um amigo dela que mora em Utrecht, e isso significou uma economia de €150 com hostel.

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A última cerveja das férias com a Alexandra em Utrecht.

Mas não para por aí, porque entre a Grécia e a Holanda, eu iria para a Turquia, que tinha sido exatamente a parada anterior da Alexandra, que me pediu pra lhe comprar um broche com a bandeira da Turquia, que era a única que faltava na sua coleção de broches com bandeiras dos países que ela visitara.

Oito dias depois, cumpri a promessa e entreguei o broche para a Alexandra em Utrecht, na Holanda, depois de assistirmos ao segundo jogo da Laranja Mecânica na Copa, contra a Austrália.

Resultado: Holanda 3×2 Austrália e a teoria do Minhoca contradita pelo fato irrefutável de que, sim, o mundo é absurdamente pequeno.

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Escrito por Filipe Teixeira

Escritor amador e ansioso profissional.